A prisão preventiva do senador Delcídio Amaral pegou a maioria dos brasileiros de surpresa. Nunca antes na democracia desse país um senador havia sido preso preventivamente. A conjuntura política pode explicar em parte o que aconteceu. Mas há também algumas explicações institucionais para o fato inédito: as condições para a prisão de Delcídio tomaram tempo e foram se sedimentando a partir de um processo gradual de aprimoramento das instituições.
O PGR tende a ser bem-sucedido em suas interações com o Supremo. Resultados do mais recente relatório Supremo em Números, ainda inédito, mostram que a Procuradoria-Geral da República tem taxa de sucesso 20 pontos percentuais acima da média dos demais litigantes no Supremo. Em 2013 a PGR venceu 50%, enquanto que a média foi de 24%.
Mas esse sucesso é resultado de uma série de mudanças institucionais.
Começaram em 2001, com a alteração na Constituição para permitir o início de processo criminal contra parlamentar independentemente de autorização do Congresso. Continuaram com mudanças que fortalecerem e deram autonomia à Polícia Federal. O Supremo fez sua parte: julgou o processo do Mensalão. Condenou inclusive parlamentares, quando havia prova. Na mesma época, mudou para uma postura mais enérgica no caso de Natan Donadon – e confirmou essa postura em decisões posteriores.
O tribunal mostrou que não havia mais risco institucional em condenar políticos de alto escalão.
O Congresso respondeu à altura e fez outra mudança: aboliu o voto secreto quanto à cassação de mandato de parlamentar. Ao abrir o voto sobre a prisão de Delcídio e confirmá-la, o Senado mostrou que não mais protege seus membros quando há provas fortes de corrupção.
A PGR também contribuiu. Sua atuação independente e proativa nos últimos anos fez sumir o velho apelido “Engavetador-geral”. Não teve qualquer pudor em propor aos Ministros uma interpretação nova, porém sensata na prática, da regra constitucional sobre prisão de parlamentar. O Supremo bancou – e decidiu rapidamente, mostrando que também não guarda a mesma estima de outrora pelas gavetas.
Com todas essas condições institucionais no lugar, o caso de Delcídio foi, em certo sentido, uma novidade já esperada.
Um senador afirmou ontem que, ao ordenar a prisão de Delcídio, o tribunal decidiu com o fígado. Vários ministros foram mencionados por ele na gravação, como se fossem seus amigos. Há 5 anos essa explicação poderia talvez encerrar o assunto. Mas não hoje. Já vimos ministros do Supremo decidindo com base em provas e acusações, e sem medo. Acreditar que Delcídio não teria sido preso caso nenhum ministro do Supremo aparecesse na gravação é ignorar esse momento institucional construído ao longo dos anos.
Não vivemos tempo de decisões com o fígado. Vivemos tempo de mudanças institucionais e suas consolidações. A prisão de Delcídio não se tornou possível do dia para noite.
Fonte: jota.info
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