A política tributária brasileira frente às desigualdades econômicas

Ao passo em que se estuda o Direito Tributário, a necessidade de se utilizar os tributos não somente como um simples meio de financiamento do Estado, mas como uma forma de redução das desigualdades socioeconômicas de seus cidadãos, é posta em evidência. E, da mesma forma que essa prerrogativa e conceitos são apresentados, revela-se o modo contraditório estabelecido pelo modelo tributário Brasileiro para perseguir (ou não) esse objetivo.

Ricardo Lodi, baseando-se em Piquetti, explica que, além da forma errônea de tributação ainda na fase pré-tributária, os economistas identificam um cenário que impulsiona ainda mais as desigualdades socioeconômicas:

A desigualdade entre ricos e pobres tende sempre a aumentar na medida em que a taxa de rendimento do capital (r) torna-se maior do que a taxa de crescimento da renda e da produção nacionais (g). Sempre que r > g a desigualdade aumenta pois os patrimônios originados no passado se recapitalizam mais rapidamente do que a progressão da produção e dos salários.1

Levando em conta esse aspecto que rege a forma como a propriedade é adquirida, passa-se ao cerne dessa discussão, que é a forma de arrecadação dos tributos julgados necessários à manutenção da máquina estatal brasileira, e também à promoção da igualdade (especialmente através da transferência de renda).

“A carga e a base tributárias de um país revelam as escolhas legislativas sobre quanto tributar, a quem tributar e em que medida.”.2 Analisando, comparativamente a carga tributária brasileira com a de outros países, tanto distintos como semelhantes ao Brasil (especialmente no econômico), é notório que o Brasil decidiu que a arrecadação se daria predominantemente pelo consumo, seguido pela renda e depois pelo patrimônio.

Ocorre que, como apontam os economistas (e diversos profissionais) especialistas no assunto, a tributação com base nessa variável, além de inibir o consumo, criar dificuldades para se alavancar o crescimento econômico e dos níveis de emprego (pois o consumo baixo limita a expansão da economia que, por sua vez, não tem capacidade de gerar novos empregos)3, estabelece um tributo igualitário a todas as camadas econômicas da sociedade:

Como as pessoas de baixa renda consomem toda renda disponível (não há poupança) e compram basicamente gêneros de primeira necessidade, o aumento de preços atinge de forma ‘vital’ esse segmento. (…) em 1996, a carga tributária indireta sobre famílias com renda de até 2 salários mínimos representava 26% de sua renda familiar; em 2002, pulou pra 46%. Para as famílias com renda superior a 30 salários mínimos, a carga indireta era de 7,3%, em 1996, e de 16% em 2002, conforme dados do IBGE.4

Essa ideia de pagamento de tributo sem levar em conta a capacidade contributiva traz à lembrança o modelo extremamente criticado e impraticável do imposto fixo individual. Ora, existem diferenças pertinentes entre os contribuintes que justificam que se lhes dê um tratamento diferenciado – com efeito injusto seria tratá-los da mesma maneira.5 Por que, então, deve ser cobrada a mesma alíquota sobre o arroz (item essencial a todos) tanto para ricos, quando para pobres? E, pensando de uma forma mais pragmática (pois criar um sistema de alíquotas diferenciados para o mesmo produto de acordo com a capacidade contributiva do consumidor se mostra uma solução demasiado complexa), por que a arrecadação deve basear-se nessa variável ao invés de se basear na renda ou no patrimônio?

Além da tributação, em proporção, ser maior aos pobres, o relatório “Indicadores do Sistema Tributário Nacional” de 2009, feito pelo Observatório da Equidade, ao destacar pontos críticos do sistema tributário brasileiro aponta para esse outro efeito negativo do modelo de tributação brasileiro:

Não se verificam as condições adequadas para o exercício da cidadania tributária. Como os tributos indiretos são menos visíveis que as incidências sobre a renda e a propriedade, é disseminada na sociedade brasileira a crença de que a população de baixa renda não paga impostos. Em decorrência, as políticas públicas orientadas para a redução das desigualdades e dos índices de pobreza são vistas como benesses até mesmo pela população carente. 6

Em outras palavras: além da população economicamente mais vulnerável ter de ser a maior responsável (levando em conta os critérios proporcionais ou de sacrifício) pela arrecadação para a manutenção dos programas de transferência de renda (o que parece ser um paradoxo), o modo como isso se dá, leva a uma crença falaciosa de que muito é gasto em programas como o Bolsa Família e que a população beneficiária dessas ações pouco ou nada contribuíram.7

Ocorre que, de acordo com o Ipea:

O montante destinado ao pagamento de juros da dívida pública recebeu, em 2008, somente do governo federal, 3,8% do PIB, enquanto o programa Bolsa Família, que complementa a renda de 12 milhões de famílias, custou ao governo federal 0,4% do PIB: dez vezes menos.8

A equidade vertical, um conceito abordado por Lodi (e utilizado em larga escala nessa esfera), relaciona-se às exigências da justiça quanto ao tratamento tributário de pessoas com níveis diversos de renda (ou consumo, ou de qualquer que seja a base tributária). Esse conceito remete ao princípio da igualdade, cuja prerrogativa é “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam”9

Dessa maneira, levando em conta as desigualdades socioeconômicas e também o princípio da igualdade de sacrifícios, o caminho para a solução seria alicerçar a arrecadação na renda e no patrimônio, com tributação progressiva dessas variantes.

No Brasil, a aplicação da equidade vertical é vista na cobrança do Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, notadamente, sobre a pessoa física. A legislação sobre o IRPF prevê a isenção para quem ganha até R$ 1.434,00; alíquota de 7,5% para quem recebe de R$1.434,01 a 2.150,00; 15% para os rendimentos entre R$ 2.150,01 a R$ 2.866,00; 22,5% para valores entre R$ 2.866,01 a R$ 3.582,00 e de 27,5% para rendimentos acima de R$ 3.582,01.10

De acordo com Lodi11, Piketty, na busca por soluções, vai além, e propõe:

Tributação dos mais ricos, com o incremento da progressividade do imposto de renda e do imposto sobre heranças;
A introdução de um imposto mundial sobre o capital; e
O combate à concorrência tributária entre países por meio da transparência fiscal internacional.

Élvio Gusmão Santos, em seu artigo Desigualdade Social e Justiça Tributária, suscita a reflexão de que a criação de dispositivos jurídicos que visam o estabelecimento e garantia de direitos, por si só, não tem eficácia alguma. É necessária a existência da fonte dos recursos que viabilizarão esses direitos, de outra forma, as garantias fundamentais previstas na Constituição Federal não teriam eficácia alguma.

A justiça ou a injustiça na tributação não pode ser outra coisa senão a justiça ou a injustiça no sistema de direitos e concessões proprietárias que resultam de um determinado regime tributário.

Fonte: jus.com.br