A proximidade das Eleições do ano de 2018 trouxe à tona o debate acerca da publicação e propagação de notícias falsas, ou, como encontra-se mais popularmente definido pelo anglicismo, de fake news, bem como de seu impacto no processo eleitoral.
Este artigo abordará desde os conceitos mais elementares ao tema, passando pela sua análise jurídica, analisando as ferramentas de combate à disseminação de notícias falsas, e terminando com uma análise prognóstica acerca das tendências observadas nos nossos Tribunais.
1. Conceituação
Segundo o Dicionário de Cambridge o conceito fake news indica histórias falsas que, ao manterem a aparência de notícias jornalísticas, são disseminadas pela Internet (ou por outras mídias), sendo normalmente criadas para influenciar posições políticas, ou como piadas. Com efeito, as fake news correspondem a uma espécie de “imprensa marrom” (ou yellow journalism), deliberadamente veiculando conteúdos falsos, sempre com a intenção de obter algum tipo de vantagem, seja financeira (mediante receitas oriundas de anúncios), política ou eleitoral.
É certo que, de uma maneira ou de outra, a disseminação de notícias falsas é tão antiga quanto a própria língua, muito embora a questão tenha alcançado especial importância como consequência do fato de que a Internet, em especial no popular ambiente das redes sociais, proporcionou acesso fácil a receitas provenientes de publicidade, de um lado, e de outro, do incremento da polarização política-eleitoral, com possibilidades reais de que a prática venha a influenciar indevidamente as eleições de um país.
A mecânica das redes sociais, bem como a compreensão das razões que levam determinada notícia a ser mais disseminada do que outras (fenômeno da chamada “viralização”), engloba o conceito de “compreensão da mídia” (ou media literacy).
Trata-se de um conceito definido pelo Grupo Especial de Compreensão de Mídia da União Européia (EU Media Literacy Group – MLEG) que inclui “capacidades técnicas, cognitivas, sociais, cívicas e criativas que permitem a um cidadão acessar e ter uma compreensão crítica sobre determinada mídia e interagir com a mesma”.
Sem qualquer pretensão de esgotamento do tema, que demandaria, inclusive, uma análise multidisciplinar (especialmente sob a ótica do marketing digital, da psicologia, da política, entre outras), para além da capacidade crítica, outros fatores influenciam substancialmente a disseminação de notícias falsas, como a sua origem, o grau de credibilidade das pessoas que a disseminaram ou que a referendaram (digital influencers), bem como a quantidade de pessoas que está disseminando a informação.
Nesse ponto, adquirem especial relevância neste trabalho os denominados “ciborgues de mídias sociais” (social media cyborgs), termo utilizado para definir pessoas que, isoladamente, criam diversas contas em redes sociais, implementam ligações com terceiros (criando suas redes) e passam a disseminar opiniões sobre diversos temas (com o enfoque de ideais políticos e eleitorais). A questão foi tema de reportagem veiculada pela BBC, abordando especificamente a eleição presidencial brasileira de 2014.
Finalizando este brevíssimo introito, que nem de longe abarca todos conceitos referentes ao tema, lembra-se o brocardo, equivocadamente atribuído a Joseph Goebbels (porém não por isso improcedente), de que uma mentira contada 1.000 vezes se torna verdade.
2. Problematização
A questão que assume fulcral importância reside no fato empiricamente comprovado de que a criação e disseminação de notícias falsas tem capacidade potencial de influenciar o resultado de um pleito eleitoral, atingindo o Estado Democrático de Direito em sua essência: a emanação do poder pelo povo, no exercício da escolha de seus representantes políticos, que consiste em Cláusula Constitucional Pétrea (parágrafo único do artigo 1.º, da Constituição Federal).
Não por outro motivo, diversas instituições da República vêm criando mecanismos de estudo e defesa contra a possibilidade de haver influência indevida na escolha dos agentes políticos. Nesse sentido, cita-se a criação pela Polícia Federal de grupo de trabalho em conjunto com o Tribunal Superior Eleitoral e a Procuradoria Geral da República, para coibir fake news nas eleições de 2018.
Também digna de nota é a criação de Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições pela Presidência do TSE, para discussão das medidas a serem tomadas para coibir o uso e a propagação de notícias falsas durante o pleito eleitoral vindouro, com a especial atribuição de “desenvolver pesquisas e estudos sobre as regras eleitorais e a influência da Internet nas eleições, em especial o risco de fake news e o uso de robôs na disseminação das informações”.
De fato, o risco é real e iminente, razão pela qual deve haver, como de fato tem-se verificado, uma mobilização da sociedade, por meio de suas instituições, para coibir a disseminação de notícias falsas.
Impende lembrar que a problematização já se fazia presente, em menor escala, na eleição de 2014, sendo pertinente trazer a registro o primeiro indiciado pela Polícia Federal em razão de compartilhamento de fake news, caso em que um empresário do Espírito Santo compartilhou uma falsa pesquisa eleitoral, mediante engenhoso mecanismo em que o endereço eletrônico onde encontrava-se a enquete era bastante semelhante a um jornal local de elevada credibilidade, que inclusive divulgava frequentemente pesquisas oficiais e registradas junto ao TSE.
No contexto, o falso resultado (em que a diferença entre os candidatos ao governo do estado apresentava um valor menor do que a pesquisa oficial) buscava impingir no eleitorado a sensação de que determinado candidato estava em franco crescimento, estimulando os indecisos e aquelas pessoas que deixariam de votar por acreditarem que a eleição estava perdida.
No caso, o referido empresário foi indiciado pela prática dos crimes do artigo 33, §4.º, da Lei 9.504/1997 (divulgação de pesquisa fraudulenta) e artigo 297 do Código Eleitoral (impedir ou embaraçar o exercício do sufrágio).
Assim, na presente conjuntura, a atual análise assume crucial importância, não apenas pelo valor acadêmico do presente estudo, mas também de maneira a estimular a discussão, aprofundando-a, e também no sentido de fornecer um parâmetro aos juristas que, direta ou indiretamente, deparar-se-ão com o problema nas eleições vindouras.
3. O Procedimento de Identificação de fake news
Antes de penetrar na análise do tratamento jurídico das notícias falsas, igualmente importante é conhecer os parâmetros de identificação das mesmas, principalmente de maneira a manter intacto os princípios da Liberdade de Imprensa e de Opinião, mandamentos já há muito consagrados no texto constitucional (art. 5.º, incisos IV e IX; art. 220 e ss. da CF).
Nessa toada, deve-se também preservar aquelas notícias que, por sua falsidade grotesca e óbvia, capaz de ser percebida naturalmente pelo homem médio, constituem-se jocosamente em sátiras. A título de exemplo, traz-se a lume o “The Piauí Herald” e o “Sensacionalista”, conhecidos sítios que ad absurdum, a pretexto de veicularem notícias, em realidade noticiam artigos com a intenção de fazer críticas políticas e/ou divertir seus leitores.
Também não se poderia deixar de lembrar, saudosamente, o conhecido semanário brasileiro que circulou entre as décadas de 70 e 90, chamado “O Pasquim”, que trouxe sempre, na forma de sátiras, contundente crítica política ao regime militar, e que contava com colaboradores de renome, como Chico Buarque, Antônio Callado, Rubem Fonseca, Odete Lara e Glauber Rocha.
Não obstante, o procedimento de identificação de uma notícia falsa não é, em realidade, múnus complexo. Segundo a Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias (International Federation of Library Associations and Institutions – IFLA)deve-se (i) considerar a fonte – notícias falsas não são ordinária e propositalmente veiculadas por grandes e conhecidos portais de mídia e, nesse aspecto, o nome do domínio do site ; (ii) ler mais – outras histórias da fonte são igualmente falsas; (iii) investigar fontes de apoio – a notícia encontra-se isolada em apenas uma fonte; (iv) apurar se o autor é pessoa desconhecida ou não há indicação do autor; (v) analisar a manchete e/ou lead, principalmente se estiverem em desacordo com o conteúdo, ou mesmo dando a entender que trata-se de uma notícia, porém, em realidade, é uma opinião (vício de apresentação).
Em janeiro de 2017, a Associação dos Especialistas em Políticas Públicas do Estado de São Paulo divulgou estudo realizado para mapear os maiores sítios de divulgação de notícias falsas. Conquanto a publicação tenha sido posteriormente suprimida, com a finalidade de revisar suas conclusões, a Associação divulgou algumas características comuns verificadas nos sites propagadores de fake news: (i) foram registrados com domínio .com ou .org (sem o .br no final), o que dificulta a identificação de seus responsáveis com a mesma transparência que os domínios registrados no Brasil; (ii) não possuem qualquer página que identifique seus administradores, corpo editorial ou jornalistas (quando existe, a página ‘Quem Somos’ não diz nada que permita identificar as pessoas responsáveis pelo site e seu conteúdo; (iii) as “notícias” não são assinadas; (iv) as “notícias” são cheias de opiniões — cujos autores também não são identificados — e discursos de ódio; (v) intensa publicação de novas “notícias” a cada poucos minutos ou horas; (vi) possuem nomes parecidos com os de outros sites jornalísticos ou blogs autorais já bastante difundidos; (vii) seus layouts deliberadamente poluídos e confusos fazem com que se assemelhem a grandes sites de notícias, o que lhes confere credibilidade para usuários mais leigos; (viii) são repletas de propagandas, o que significa que a cada nova visualização, o dono do site é remunerado.
4. Iniciativas Jurídicas Mundiais
Nos últimos anos, tem-se observado diversas iniciativas de países, no sentido de combater notícias falsas e artigos que promovam a desinformação, evidenciando a importância da questão para a comunidade mundial.
A União Europeia já sinalizou sua disposição em regulamentar e combater o problema, monitorando as notícias falsas e retirando-as de circulação o mais rápido possível, porém sempre atenta à conciliação com liberdades e direitos fundamentais.
Nesse sentido, o Roadmap (em tradução livre, “mapa de caminhos”) para o combate a fake news e desinformação online, de 09/11/2017. Neste documento, a UE parte da premissa de que o acesso universal à informação confiável encontra-se inserido no coração da democracia, ainda que não sejam poucas as pessoas que ainda têm dificuldade em discernir informação e jornalismo de propaganda.
O Roadmap europeu também evidencia o alegado impacto de notícias falsas nas eleições americanas de 2016, no conhecido BREXIT, bem como em outras campanhas eleitorais da Comunidade Europeia.
Segundo o documento – e de forma bem semelhante ao modelo brasileiro –, conquanto já existam mecanismos para o combate ao conteúdo ilegal (incitação ao crime ou à desobediência civil, difamação e calúnia), não existem formas de combate ao conteúdo que, ab initio, não seja ilegal.
Um dos exemplos mais emblemáticos são as campanhas contra a vacinação que, de tempos em tempos, vêm à tona com força viral e, recentemente, têm resultado no retorno de algumas doenças antes consideradas erradicadas, como sarampo, caxumba, coqueluche, catapora, poliomielite, etc. Por outro lado, a preocupação maior encontra-se concentrada nos processos destinados a influenciar indevidamente o processo eleitoral e a confiança dos cidadãos no sistema democrático.
Digno de nota também, na Alemanha, o Ato para Cumprimento da Lei nas Redes Sociais (Netzwerkdurchsetzungsgesetz), que entrou em vigor em outubro de 2017. De acordo com essa lei, provedores de redes sociais devem remover ou bloquear conteúdo manifestamente ilegal ou falso dentro do prazo de 24h, a contar da reclamação ou determinação judicial.
Nas Filipinas, em 20 de julho de 2017 entrou em vigor uma importante Lei, voltada especificamente para o combate à disseminação de notícias falsas, proibindo sua criação e distribuição, sendo conhecida como “Anti-Fake News Act of 2017”. A referida norma define o que deve ser considerado notícia falsa, proibindo sua criação, distribuição e circulação, além de estabelecer penas, tanto pecuniárias quanto restritivas à liberdade, em caso de violação da legislação em questão.
O Estado da Califórnia também tem um projeto de lei em andamento, denominado “Ato Político da Califórnia para Redução de Ciberfraudes” (California Political Cyberfraud Abatement Act) que torna ilegais os denominados atos de ciberfraudes, definidos como aqueles que impossibilitem de qualquer maneira o acesso a informações políticas fidedignas, chegando mesmo a tornar ilegal que sítios na Internet semelhantes a outros que veiculem informações de cunho político sejam registrados.
Atentos às tendências mundiais, os provedores de redes sociais têm envidado esforços no sentido de alterar seus algoritmos de exibição de postagens, como é o caso do Facebook, que no início do ano de 2018 anunciou sua intenção de priorizar o conteúdo de cunho pessoal (postado por amigos e familiares), em detrimento dos demais. A decisão pode representar uma diminuição na disseminação de notícias, notadamente aquelas de caráter falso.
No entanto, a iniciativa da maior rede social do mundo tem sido vista com maus olhos, especialmente diante das estatísticas recentes no sentido de que, em janeiro do ano de 2018, páginas de notícias falsas engajaram usuários cinco vezes mais do que as de jornalismo.
5. Iniciativas Jurídicas Brasileiras
A primeira iniciativa brasileira no combate à veiculação e disseminação de notícias falsas encontrava-se na Lei de Imprensa (Lei n.º 5.250, de 09/02/1967), declarada pelo Supremo Tribunal Federal como não recepcionada pela Constituição de 88, nos termos da ADPF 130-7/DF, da relatoria do Ministro Carlos Ayres Britto.
Precisamente em seu artigo 16, a referida Lei criminalizava a conduta de “publicar ou divulgar notícias falsas ou fatos verdadeiros truncados ou deturpados, que provoquem: I – perturbação da ordem pública ou alarma social; II – desconfiança no sistema bancário ou abalo de crédito de instituição financeira ou de qualquer empresa, pessoa física ou jurídica; III – prejuízo ao crédito da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município; IV – sensível perturbação na cotação das mercadorias e dos títulos imobiliários no mercado financeiro. Pena: De 1 (um) a 6 (seis) meses de detenção, quando se tratar do autor do escrito ou transmissão incriminada, e multa de 5 (cinco) a 10 (dez) salários-mínimos da região. (…)”.
Hodiernamente, tem-se o Marco Civil da Internet, que ocorreu com a edição da Lei n.º 12.965/14, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil.
Segundo a legislação, o uso da Internet é permeado por inúmeros princípios, como a preservação e a garantia da neutralidade da rede23 (art. 3.º, inciso IV, Lei 12.965/14) e a liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento (art. 3.º, inciso I, Lei 12.965/14), e tem como objetivos o acesso à informação, ao conhecimento e à participação na vida cultural e na condição dos assuntos públicos (art. 4.º, inciso II, Lei 12.965/14).
No que se refere ao presente estudo, o artigo 19 da Lei que instituiu o Marco Civil da Internet traz importante norma referente ao combate e à disseminação de informações falsas:
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
§ 1o A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.
§ 2o A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5o da Constituição Federal.
§ 3o As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.
§ 4o O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3o, poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de Repercussão Geral na discussão sobre a constitucionalidade, à luz dos arts. 5.º, incs. II, IV, IX, XIV e XXXVI, e 220, caput, §§1.º e 2.º, da Constituição da República, do retro transcrito artigo 19 (TEMA 987, RE 1.037.396, relator o Eminente Ministro Dias Toffoli).
Ainda no âmbito legislativo, porém no aspecto eleitoral, merecem destaque as iniciativas levadas a cabo pelas leis que implementaram minirreformas em 2015 (Lei 13.165/2015) e em 2017 (Leis 13.487/2017 e 13488/2017), modificando a Lei Eleitoral (Lei n.º 9.504/97).
Em 2015, a Lei excluiu da definição de propaganda eleitoral a menção à candidatura de determinada pessoa, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, homenageando a livre manifestação de pensamento e a liberdade de expressão.
Em 2017, a Lei modificou o art. 57-B da Lei Eleitoral, estipulando que a propaganda eleitoral pode ser veiculada por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e aplicações de Internet assemelhadas, cujo conteúdo seja editado por candidatos, partidos, coligações, e qualquer pessoa natural (sendo vedada a estas a contratação de impulsionamento).
Conquanto a Lei Eleitoral, desde a sua edição original, tenha previsto o direito de resposta ao candidato ofendido por conceito, imagem ou afirmação sabidamente inverídica, apenas em 2009 passou a norma a contemplar a suspensão do acesso a conteúdo eleitoralmente ilícito veiculado na Internet.
Nesse aspecto, a minirreforma de 2017 terminou por alterar, de forma bem confusa, o artigo 57-I da Lei Eleitoral, cuja redação se transcreve:
Art. 57-I. A requerimento de candidato, partido ou coligação, observado o rito previsto no art. 96 desta Lei, a Justiça Eleitoral poderá determinar, no âmbito e nos limites técnicos de cada aplicação de internet, a suspensão do acesso a todo conteúdo veiculado que deixar de cumprir as disposições desta Lei, devendo o número de horas de suspensão ser definida proporcionalmente à gravidade da infração cometida em cada caso, observado o limite máximo de vinte e quatro horas.
Ora, parece-nos bastante claro que o conteúdo eleitoralmente ilícito não possa ser veiculado, não sendo ele passível de voltar ao ar uma vez encerrado o prazo de suspensão, ao contrário do que está escrito no transcrito artigo.
Por outro lado, a interpretação de que a referida norma tivesse estipulado uma penalidade ao provedor de conteúdo encontraria óbice na Lei Geral (Marco Civil da Internet), que expressamente excluiu a responsabilidade daquele pelo conteúdo veiculado por seus usuários. Em sendo assim, qualquer punição só teria sentido se o provedor de conteúdo, uma vez intimado a suprimir o conteúdo ilegal, não o fizesse, sendo assim punido, mas não com a suspensão de acesso ao material ilícito (uma vez que este só seria revigorado mediante decisão judicial em contrário), mas sim a toda a sua aplicação.
Ressalte-se que o Tribunal Superior Eleitoral, tendo tido a possibilidade de estipular norte interpretativo à norma comentada, assim não o fez, por ocasião da edição da Resolução n.º 23.551 (Instrução 0604335-14.2017.6.00.0000, sobre Propaganda Eleitoral), mantendo praticamente intacto o dispositivo legal.
Deve-se ainda louvar a iniciativa levada a efeito pela minirreforma de 2013, que criminalizou a contratação de grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na Internet com o intuito de ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação (§1.º, art. 57-H, da Lei Eleitoral). Infelizmente, porém, a norma até hoje não englobou as hipóteses em que grupo de pessoas é contratado para disseminar informações falsas (fake news), essas conhecidas como “ciborgues sociais”, sendo certo que o TSE poderá vir a disciplinar a questão, ainda que fora do viés criminal, já que a matéria encontra-se submetida à ao Princípio da Reserva Legal.
Ainda no ano de 2017, o Senador Ciro Nogueira (PP/PI) apresentou Projeto25 para acrescentar ao Código Penal o artigo 287-A, com a seguinte proposta de redação:
“Divulgação de notícia falsa
Art. 287-A – Divulgar notícia que sabe ser falsa e que possa distorcer, alterar ou corromper a verdade sobre informações relacionadas à saúde, à segurança pública, à economia nacional, ao processo eleitoral ou que afetem interesse público relevante.
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.
§ 1º Se o agente pratica a conduta prevista no caput valendo-se da internet ou de outro meio que facilite a divulgação da notícia falsa:
Pena – reclusão, de um a três anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.
§ 2º A pena aumenta-se de um a dois terços, se o agente divulga a notícia falsa visando a obtenção de vantagem para si ou para outrem. ”
Na justificação do Projeto, o Senador diz que certas situações, que não configuram diretamente um crime contra a honra, não são contempladas com previsão na lei penal, sendo necessário, então, criminalizar a conduta de divulgação de notícia falsa em que a vítima é a sociedade como um todo, agravando-se a pena justamente nas hipóteses em que a divulgação é feita via internet (pela potencialidade lesiva) e quando o agente vise a obtenção de vantagem.
Já no âmbito das iniciativas adotadas no TSE, a mais importante de todas – inclusive para uma futura regulamentação brasileira – é sem dúvida a criação do Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições (Portaria TSE n.º 949, de 07/12/2017), com a atribuição de desenvolver pesquisas e estudos sobre as regras eleitorais e a influência da Internet nas eleições, em especial o risco das fake news e o uso de robôs na disseminação das informações, podendo propor ações e metas voltadas ao aperfeiçoamento das normas.
A própria Resolução n.º 23.551 (Instrução 0604335-14.2017.6.00.0000, sobre Propaganda Eleitoral) já abordou alguns aspectos importantes, devendo-se dar destaque aos parágrafos de seu artigo 22, sem correspondência na Lei Eleitoral, que asseverou que “a livre manifestação do pensamento do eleitor identificado ou identificável na Internet somente é passível de limitação quando ocorrer ofensa à honra de terceiros ou divulgação de fatos sabidamente inverídicos”, ressalvando a aplicabilidade do dispositivo “inclusive, às manifestações ocorridas antes da data prevista” para a propaganda eleitoral, ainda que constem mensagens de apoio ou crítica a partido político ou a candidato, próprias do debate político e democrático.
Outro aspecto interessante, sem correspondência legal, foi a expressa exclusão das mensagens enviadas em grupos restritos de participantes (como ocorre com grupos criados no aplicativo de troca de mensagens instantâneas Whatsapp) das normas de propaganda eleitoral (§2.º, art. 28, da Resolução 23.551).
Em 6/02/2018, ao tomar posse como Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o Ministro Luiz Fux deixou claro que um dos pilares em que escorar-se-ia sua presidência seria o combate às notícias falsas, evidenciando, em seu discurso, que “candidatos preferem destruir a honra alheia através de notícias falsas por meio de redes sociais, em vez de revelar as próprias aptidões e qualidades”.
Evidenciando a importância do tema e o potencial impacto nas eleições vindouras, o Ministro disse ainda que criará uma força tarefa de inteligência e de ação, composta por agências de inteligência governamental e das Forças Armadas, especialistas nacionais e internacionais, bem como principais empresas de mídias sociais, coadjuvados pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, sempre respeitada a liberdade e de informação dos eleitores.
Por último, mas não menos importante, deve-se mencionar a iniciativa da criação, pela Polícia Federal, de Grupo de Trabalho para auxiliar órgãos que combaterem a disseminação de fake news.
De maneira geral, tais iniciativas sem dúvida contribuirão para a redução do impacto da criação e disseminação de notícias falsas, e a experiência vindoura poderá mesmo dar subsídios necessários ao Poder Legislativo, de maneira a avaliar a necessidade da criação de mecanismos legais para tornar eficaz ao máximo o combate à desinformação.
6. A (aparente) Colidência de Princípios e Garantias Constitucionais
Sem dúvida, o maior problema sobre a criação e disseminação de notícias falsas é o choque de princípios constitucionais.
No entanto, tal choque é apenas aparente, já que a hermenêutica constitucional dispõe de ferramentas plenamente capazes de solucionar os casos concretos.
À sociedade caberá, através das instituições estabelecidas, reprimir e punir a criação e disseminação de fake news, porém preservando as garantias da liberdade de imprensa e livre manifestação do pensamento.
Conquanto as normas constitucionais gozem, teoricamente, de igual valor, alguns princípios receberam tratamento “privilegiado” em relação aos demais, denotando extrema importância para o sistema constitucional e para o ordenamento jurídico como um todo.
A estes a doutrina convencionou chamá-los de Princípios Sensíveis, e entre eles encontra-se o Princípio Democrático, inserido no art. 34, VII, “a” e art. 1.º, caput, da Constituição Federal, bem definido pelo Ministro Alexandre de Moraes: “O princípio democrático – consagrado no artigo 1º de nossa atual Constituição Republicana – exprime fundamentalmente a exigência da integral participação de todos e de cada uma das pessoas na vida política do país, a fim de garantir o respeito à soberania popular. Essa participação se dará, em regra, pela via representativa, ou seja, pelo Congresso Nacional.”
O Princípio Democrático faz as vezes de verdadeira pedra angular constitucional, sendo fundamento de validade de todas as normas do ordenamento jurídico, e da própria Constituição, especialmente sob o prisma de que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (art. 1.º, parágrafo único, CF).
E nesse espeque, para os fins de nosso breve estudo, torna-se relevante destacar as garantias asseguradas à liberdade de manifestação do pensamento (art. 5.º IV e V, CF), à liberdade de comunicação (art. 5.º, IX e X, CF), à liberdade de informação (art. 5.º, XIV e XXXIII, CF). Acrescente-se a este rol de garantias, a também relevante a norma constitucional que revela não poder ser objeto de qualquer restrição à manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, destacando-se que nenhuma lei poderá constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, vedando-se expressamente qualquer censura de natureza política, ideológica e artística (art. 220, caput, §1.º e §2.º, CF).
Como os direitos e garantias não são absolutos, o ordenamento jurídico, aliado aos instrumentos processuais da tutela de urgência, soluciona com tranquilidade os abusos praticados no âmbito das liberdades de imprensa e manifestação do pensamento, seja pela vedação constitucional ao anonimato (art. 5.º, IV, CF), seja pela preservação do direito de resposta e indenizações (art. 5.º, V, CF).
Ocorre que tais direitos e garantias, muito antes de serem regras constitucionais, por sua relevância com respeito à essência do Estado Democrático de Direito, devem ser observados sempre, consoante a dimensão de peso que assumem na situação específica.
Nesse contexto, e de forma mais complexa, encontra-se a criação e a disseminação de notícias falsas, em especial quando não configurem qualquer ofensa direta, pois estariam, prima facie, albergadas pelos direitos e garantias constitucionalmente previstos (verdadeiros princípios constitucionais) referentes à liberdade de opinião, à livre manifestação e à liberdade de imprensa.
Nesta toada, “caberá ao intérprete proceder à ponderação dos princípios e fatos relevantes, e não a uma subsunção do fato a uma regra determinada”, inclusive valendo-se do princípio da proporcionalidade, como instrumento de ponderação entre valores constitucionais contrapostos, incluindo-se aí as colisões entre direitos fundamentais.
No tema, a relevantíssima doutrina de BARROSO:
“A existência de colisões de normas constitucionais leva à necessidade de ponderação. A subsunção, por óbvio, não é capaz de resolver o problema, por não ser possível enquadrar o mesmo fato em normas antagônicas. Tampouco podem ser úteis os critérios tradicionais de solução de conflitos normativos – hierárquico, cronológico e da especialização – quando a colisão se dá entre disposições da Constituição originária. Esses são os casos difíceis, assim chamados por comportarem, em tese, mais de uma solução possível e razoável. Nesse cenário, a ponderação de normas, bens ou valores (v. infra) é a técnica a ser utilizada pelo intérprete, por via da qual ele (i) fará concessões recíprocas, procurando preservar o máximo possível de cada um dos interesses em disputa ou, no limite, (ii) procederá à escolha do bem ou direito que irá prevalecer em concreto, por realizar mais adequadamente a vontade constitucional. Conceito-chave na matéria é o princípio instrumental da razoabilidade.”
Ressalva-se, no entanto, que as notícias deliberadamente falsas sempre terão um objetivo específico, podendo este ser lícito (como as notícias qualificadas pelo animus jocandi, ou as sátiras) ou ilícito, que possam causar danos a uma pessoa ou coletividade.
Como exemplo, pode-se citar as campanhas antivacinação que, de tempos em tempos, vêm à tona com o intuito de difundir infundadas ideias de que a inoculação estaria relacionada a distúrbios neurológicos como o autismo; ou contra a fluoretação da água, para a prevenção da cárie, que já foi relacionada como causa de alergias, doença de Alzheimer, câncer e até mesmo diminuição da capacidade cognitiva.
Conquanto tais opiniões estejam, em princípio, protegidas pela liberdade de manifestação do pensamento, é inegável também que a difusão de tais ideias tem forte potencialidade lesiva à saúde pública e, nesse contexto, sem impedir o debate nos diversos segmentos sociais, deve-se restringir a disseminação de tais ideias quando feitas de forma leviana e sem mínimo embasamento técnico.
Nesse exemplo, os direitos e garantias referentes à liberdade de informação, de pensamento e de comunicação cedem perante um interesse maior, com assento constitucional justificado pela proteção à saúde pública.
O mesmo mecanismo é aplicável em relação às eleições, diante das quais os direitos e garantias referentes à liberdade de informação, de pensamento e de comunicação cedem, sem supressão integral, perante a imperatividade do Princípio Democrático, sem o qual aqueles nem sequer existiriam.
Nesse sentido, pertinente mais uma vez a lição do Ministro Luís Roberto Barroso, ao relembrar que o “constitucionalismo se funda na limitação do poder e na preservação de valores e direitos fundamentais. A democracia, por sua vez, é um conceito construído a partir da soberania popular, em cujo âmbito se situa o princípio majoritário. Assim sendo, sempre que se impede a prevalência da vontade da maioria produz-se, automaticamente, uma tensão com o princípio democrático.”
7. Remédios Processuais Aplicáveis
Há no ordenamento jurídico pátrio dois grupos de instrumentos processuais disponíveis ao combate à disseminação de fake news, sendo aqui chamados ordinários aqueles contidos no Código de Processo Civil e especiais aqueles que dizem respeito à legislação eleitoral.
Nessa contextualização, como a disseminação de uma notícia ocorre segundo um modelo viral de replicação, o tempo é o primeiro elemento crucial para o processo.
Em segundo lugar, apresenta-se as questões referentes à eficácia das medidas de urgência destinadas a frear a disseminação de notícias falsas, o que se revela igualmente importante do ponto de vista processual.
Por último, tem-se ainda as medidas de identificação do agente, estabilização da demanda judicial, instrução e responsabilização (tanto cível, quanto criminal).
O Código de Processo Civil estabelece, em seu artigo 300 e seguintes, as hipóteses e requisitos da tutela de urgência.
A Lei que estabeleceu o Marco Civil da Internet no Brasil ratificou expressamente a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela, precisamente em seu §4.º, artigo 19, que prescreveu: “O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3o, poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.”
Com efeito, o legislador foi muito feliz ao determinar que seja considerado o interesse da coletividade na disponibilização de determinado conteúdo na Internet. Tal conceito jurídico indeterminado, a ser integrado pelo juiz, no caso concreto permitirá a avaliação do que é e venha a ser ilícito, segundo critérios cronológicos.
Daí o porquê de, conquanto o Marco Civil não tenha feito alusão expressa à criação e disseminação de fake news, a norma em comento oferece, de maneira suficiente, e ao menos por ora, suporte legal para o combate a essa prática.
E à míngua de diretrizes específicas na legislação ordinária, torna-se pertinente valer-se da analogia, como técnica de integração das lacunas da lei.
Nesse sentido, parece evidente que o pedido deverá ser específico em relação à notícia falsa propriamente dita, e não ao seu veículo. Não por outro motivo, o TSE, ao editar a Resolução n.º 23.547 (Instrução n.º 0604340-36.20176.00.000, que dispõe sobre representações, reclamações e pedidos de resposta previstos na Lei n.º 9.504/1997 para as eleições de 2018), impôs que a Inicial seja instruída com cópia eletrônica de matéria ofensiva e a perfeita identificação de seu endereço na Internet (URL) (art. 15, inciso IV, alínea “b”).
A afirmação retro encontra-se em perfeita consonância com o Princípio da Menor Interferência Possível, inserido no artigo 33 da Resolução n.º 23.551 do TSE, in verbis:
Art. 33. A atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático (Lei nº 9.504/1997, art. 57-J).
Com relação ao fator tempo, o artigo 33, §3.º, da Resolução n.º 23.551 do TSE, estipulou que a remoção de conteúdo será realizada em prazo razoável, não inferior a 24h, porém, atento ao fenômeno da viralização, o §4.º subsequente estabeleceu que tal prazo poderá ser reduzido, desde que presentes circunstâncias excepcionais devidamente justificadas.
De nada adianta a expedição de uma ordem judicial referente à supressão de uma notícia falsa, se o meio de veiculação não estiver disposto a cumpri-la. Nesse sentido, ao longo dos últimos anos, o Poder Judiciário entrou em choque com empresas provedoras de redes sociais na Internet. Cita-se o caso em que juízes de São Bernardo do Campo e de Teresina determinaram a suspensão do aplicativo de troca de mensagens instantâneas Whatsapp, tendo antes fixado multa diária (no caso concreto, de 1 milhão de reais por dia!) e determinado a prisão do vice-presidente do Facebook na América Latina.
Sem aprofundar-se nas questões técnicas referentes à possibilidade ou não do cumprimento da ordem judicial no caso concreto, é fato que um aplicativo de troca de mensagens instantâneas difere em muito de uma rede social. Enquanto a primeira configura-se principalmente como um meio de comunicação entre pessoas, esta característica não é predominante nas redes sociais.
Como já assinalado no presente estudo, não por outro motivo o TSE, acertadamente, estipulou, no §2.º, art. 28, da Resolução 23.551, que:
§ 2º As mensagens eletrônicas enviadas consensualmente por pessoa natural, de forma privada ou em grupos restritos de participantes, não se submetem ao caput deste artigo e às normas sobre propaganda eleitoral previstas nesta resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 57-J).
No entanto, a Lei Eleitoral contemplou, na minirreforma de 2017 (Lei n.º 13.488/2017), a hipótese de suspensão da aplicação que deixar de cumprir as disposições legais, conforme se verifica no confuso artigo 57-I da Lei n.º 9.504/97, já transcrita e criticada neste trabalho.
A referida norma fez alusão ao “conteúdo veiculado que deixar de cumprir as disposições desta Lei”, que deverá ser suspenso por período não superior a 24h, proporcionalmente à gravidade da infração cometida em cada caso.
Como trata-se de penalidade imposta ao provedor de conteúdo, a suspensão de acesso deveria referir-se a todo o conteúdo daquele, e não apenas ao conteúdo ilícito.
Aliás, a redação anterior do artigo 57-I esclarece bem o sentido da norma, vez que tinha a seguinte redação:
Art. 57-I. A requerimento de candidato, partido ou coligação, observado o rito previsto no art. 96, a Justiça Eleitoral poderá determinar a suspensão, por vinte e quatro horas, do acesso a todo conteúdo informativo dos sítios da internet que deixarem de cumprir as disposições desta Lei.
Esta, sem dúvida, é a interpretação que deve prevalecer: uma vez que o provedor de conteúdo – sendo este o sítio ou rede social – receba uma ordem judicial para suprimir determinado conteúdo ilícito, porém não o faça no prazo assinalado, poderá ser determinado, a requerimento, que todo o conteúdo seja suspenso, nos termos da Lei Eleitoral. Acresça-se que esta medida é adotada independentemente da localização física dos servidores da aplicação, eis que implementada em nível de provedores de acesso à Internet, a exemplo do bloqueio do Whatsapp ocorrido em 2016, determinado pela Justiça de Sergipe.
A medida narrada encontra-se totalmente respaldada pelo Marco Civil da Internet (Lei n.º 12.965/2014) que, em seu artigo 11, prescreveu que “Em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional, deverão ser obrigatoriamente respeitados a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros.” E assim, uma vez verificada a recusa do provedor de conteúdo em cumprir determinação judicial, a suspensão temporária das atividades é sanção expressamente prevista no inciso III do art. 12 (da Lei n.º 12.965/2014).
Superado o estudo da eficácia das medidas judiciais de urgência, deve-se então proceder à identificação do agente. Nesse ponto, o Marco Civil da Internet previu, no §1.º de seu art. 10, que o provedor responsável pela guarda de dados pessoais deverá disponibilizá-los mediante ordem judicial; e, em seu artigo 22, disciplinou a requisição judicial de dados. A Resolução n.º 23.3551 do TSE, por sua vez, repetiu as normas em sua totalidade, no artigo 35.
Uma vez verificado pelo provedor de rede social que a conta responsável pelo conteúdo ilícito não esteja claramente vinculada a um indivíduo, deverá aquele desativá-la, não apenas impedindo a reiteração da conduta, mas também dando cumprimento à vedação constitucional ao anonimato (art. 5.º, inciso IV, CF).
Por fim, em relação à responsabilização pelo conteúdo infringente, de natureza patrimonial, o provedor da aplicação somente poderá ser responsabilizado se não adotar providências para tornar indisponível o conteúdo ilícito (art. 19, caput, Lei 12.965/2014). Fora esta hipótese excepcional, a responsabilização pelo material será exclusivamente da pessoa que o disponibilizou.
Vale lembrar que a Resolução 23.551/TSE consignou, no §.6º do art. 33, que, uma vez findo o período eleitoral, as ordens judiciais de remoção de conteúdo da Internet deixarão de produzir efeitos, cabendo à parte interessada requerer a remoção do conteúdo por meio de ação judicial autônoma perante a Justiça Comum.
Nessa linha, é absolutamente claro que a Justiça Eleitoral não se prestará à solução de lides de natureza civil, muito menos sob o espeque patrimonial, limitando-se sua atuação à garantia de lisura do pleito.
8. Prognósticos Jurídicos e Conclusão
É inegável que o Direito e a Tecnologia têm entre si diferença abismal em relação às velocidades de renovação e capacidades de lidar com as inovações.
Pode-se concluir que o ordenamento jurídico brasileiro tem alicerces e ferramentas para coibir e punir a disseminação de notícias falsas.
No entanto, parece claro que o ponto crítico referente às eleições vindouras estará mais centralizado na capacidade de nosso Poder Judiciário de dar respostas rápidas à proliferação de fake news, que se vale de mecanismos virais de replicação; e isso sem dúvida colocará à prova a capacidade de nossos magistrados de lidar com as inúmeras demandas por tutelas de urgência que haverão de surgir.
A questão encontra-se, pois, focada não em novas leis, mas na adequação técnica daquelas já existentes, atribuindo às ordens judiciais eficácia máxima, sem a qual o combate ao conteúdo ilícito sem dúvidas haverá de fracassar.
Os provedores de conteúdo devem, por outro lado, estabelecer-se como parceiros das autoridades, de maneira a poderem conferir, sendo o meio de propagação de notícias falsas, máxima eficácia e celeridade às emanações do Poder Judiciário.
Avizinha-se o momento mais nodal de uma democracia. A preservação da vontade da maioria é dever de todos, tanto dos governantes, quanto da sociedade civil organizada, e até mesmo de cada indivíduo, sendo que deseja-se a preservação do Princípio Democrático, porém sem que sejam sacrificados os sagrados direitos e garantias fundamentais, inerentes ao Estado de Direito.
Fonte: jota.info
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