A chave para tirar o Brasil da recessão econômica é atrelar o gasto público à inflação do ano anterior, medida chamada pelo governo interino de “novo regime fiscal”. Na avaliação do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, “na medida em que houver um teto para os gastos, passaremos a ter uma discussão orçamentária”, o que passará confiança aos investidores privados.
Segundo disse o ministro nesta quarta-feira (29/6), a raiz do problema fiscal do governo é o crescimento do gasto público, que não foi acompanhado pela arrecadação. Conforme apresentou em evento no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), a despesa do governo cresceu 51% acima da inflação entre 2008 e 2015. Já a receita subiu 14,5%.
Foi esse crescimento do gasto que obrigou o governo a “assumir compromissos”, o que faz crescer a dívida e, principalmente, pressiona a conta dos juros, segundo o ministro. “Países que conseguem controlar suas despesas são os países que crescem”, afirmou Meirelles.
O novo regime fiscal a que o ministro se refere é a Proposta de Emenda à Constituição 241/2016, enviada pelo governo ao Congresso no dia 17 de junho para tentar limitar o gasto da União. A ideia da PEC é que os gastos públicos de um ano tenham como teto a inflação apurada pelo ICPA do ano anterior. Pelo projeto, ainda em fase inicial de tramitação, o novo regime terá duração de 20 anos, mas poderá ser revisto no décimo ano.
De acordo com a exposição de motivos da PEC, “faz-se necessária mudança de rumos nas contas públicas, para que o país consiga, com a maior brevidade possível, restabelecer a confiança na sustentabilidade dos gastos e da dívida pública”.
O texto afirma que “o quadro de agudo desequilíbrio fiscal” foi o que levou as contas públicas a apresentarem déficit de R$ 170 bilhões neste ano e o que fez os juros da dívida pública se tornarem um problema grave. Segundo a justificativa da PEC, elaborada pelo Ministério da Previdência, a dívida pública do governo saltou de 51,7% do PIB em 2013 para 67,5% do PIB em abril deste ano. “E as projeções indicam que, se nada for feito para conter essa espiral, o patamar de 80% do PIB será ultrapassado nos próximos anos.”
Dois passos
Henrique Meirelles disse que as medidas do governo foram tomadas em duas etapas. A primeira foi dar transparência e “ser realista”. Por isso, diz, foi divulgado o déficit de R$ 170 bilhões nas contas públicas. O outro passo é a limitação aos gastos fixos do governo.
O ministro reconhece que apenas a aprovação da PEC não é suficiente. No IDP, conclamou os estados a seguir o exemplo do governo federal e também estudar medidas de limitar seus gastos públicos. E pregou a renegociação da dívida deles com a União.
Segundo Meirelles, o que o país precisa é se mostrar confiante de que está no caminho certo. E ele contou na palestra que “os índices de confiança dos setores econômicos no Brasil caíram muito, mas já começaram a subir. Isso significa que estamos no caminho certo”. “Estou seguro de que, passada a incerteza política e aprovada a PEC, o índice de confiança vai continuar aumentando, e o crescimento vai voltar”, disse.
Agenda fiscal
Alinhado ao discurso de Meirelles, o ministro interino do Planejamento, Dyogo Henrique de Oliveira, repetiu que o maior empecilho para a retomada do crescimento são os gastos públicos. Em sua palestra no mesmo evento, ele afirmou que, embora os gastos discricionários do governo tenham crescido ao longo dos anos, foram os gastos obrigatórios que imobilizaram o raio de ação do setor público.
De acordo com Oliveira, além de o volume de gastos ter aumentado, como disse o ministro da Fazenda, houve um “aumento da rigidez da despesa”. Segundo as contas do ministro do Planejamento, desde 1997 as despesas fixas da União subiram de 13,8% do PIB para 20% em 2015. Isso significou um crescimento, em valores corrigidos, de R$ 360 bilhões. “O maior problema fiscal do Brasil, hoje, são as despesas obrigatórias e a rigidez orçamentária”, disse.
Consequências jurídicas
Também presente ao evento, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, comentou, depois da palestra de Henrique Meirelles, que as intervenções judiciais podem ser um fator de instabilidade para a agenda econômica. Por isso, o Supremo “talvez tenha de avaliar melhor as consequências” de suas intervenções na economia.
A fala do ministro tem peso especial num momento em que o tribunal nunca teve em sua pauta tantas possibilidades de intervir no sistema fiscal. O exemplo mais candente é o dos expurgos inflacionários decorrentes dos planos econômicos de combate à hiperinflação, cujo julgamento da constitucionalidade ainda não começou.
Também estão pautadas para esta sexta-feira (1º/7) os mandados de segurança que discutem qual deve ser o índice de correção do desconto concedido pela União aos estados. O Supremo já decidiu, em liminares, que os estados que calcularem suas dívidas em índices que aumentem o desconto não poderão sofrer sanções da União.
Só que o Plenário do tribunal já deu todos os sinais de que o índice pedido pelos estados é ilegal e, se insistirem na discussão, sairão derrotados. A recomendação ali foi que os estados sentassem com a União para negociar uma saída intermediária.
“Naquela ocasião, o Supremo ajudou um pouco”, afirma Gilmar Mendes. “A equação dessa solução envolve questões que não podemos discutir, como uma modulação, moratória, índices de correção, enfim. Nós, no Supremo, só podemos dizer se são os estados que têm razão ou se é a União. Não há muito espaço para manobra.”
O ministro também afirmou que o Supremo precisa resolver algumas questões pendentes, até para distensionar os problemas que hoje travam a pauta econômica do país. Citou o exemplo da Lei de Responsabilidade Fiscal, que o tribunal concedeu apenas liminar a favor de sua constitucionalidade, mas nunca discutiu o mérito.
Gilmar também citou o exemplo da declaração de inconstitucionalidade, pelo Supremo, do chamado regime especial de pagamento de precatórios, descrito na Emenda Constitucional 62. O ministro já chamou a decisão de “intervenção desastrosa”, “fruto de uma autoconfiança excessiva”. Nesta quarta, disse que “talvez seja a hora de olharmos melhor as consequências dessas decisões”.
Fonte: Conjur
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