O atual cenário político permanece conturbado, com elevado grau de indefinição sobre as eleições. Apesar disso, a economia vem dando sinais de recuperação, com melhoras constantes dos principais indicadores. Veja-se o setor de óleo e gás, em que medidas gradativas, mas estratégicas, da Petrobras (como a edição de seu novo regulamento de licitações e contratos) parecem indicar que a empresa está arrumando a casa e se preparando para liderar um novo ciclo virtuoso. Agora, repaginada.
Por trás dessas expectativas, aponta-se uma combinação diversificada de fatores, como recursos ociosos que circulam no mercado internacional; resultados positivos no combate à corrupção; a percepção da moralidade como pré-requisito (finalmente) exigível para a participação na vida pública; o apetite do Governo para a realização de parcerias com a iniciativa privada e alienação de ativos.
Aproveitar o ambiente favorável é sem dúvida o primeiro passo para destravar o desenvolvimento. Se as circunstâncias apontam para um futuro de recuperação, não há por que desperdiçar a oportunidade. Mas é preciso pensar no dia seguinte. E é justamente aí que se coloca a temática do poder punitivo estatal. Notadamente, da competência da Administração Pública para aplicar sanções pecuniárias e não pecuniárias.
O que as sanções administrativas têm de ver com progresso econômico? É que hoje ainda prevalece uma visão de certa forma mística e estática dessas punições, que gera custos e beira a irracionalidade; onera desnecessariamente o setor produtivo e repele investimentos. Essa visão está usualmente baseada em três premissas: a de que a sanção administrativa é uma consequência automática e necessária do cometimento de uma infração; a de que a sua aplicação se justifica para atender ao interesse público; e a de que a competência punitiva é sempre vinculada – isto é, o administrador não poderia sequer cogitar de qualquer solução a não ser punir o infrator, sob pena de ser responsabilizado.
Todas essas premissas, no entanto, revelam-se flagrantemente equivocadas. Primeiro, porque a sanção administrativa é uma dentre as respostas possíveis do ordenamento jurídico a uma infração administrativa. Mas não é nem deve ser a única. Nos Estados Unidos, Ian Ayres e John Braithwaite defenderam um modelo a que chamaram de responsivo. Segundo os autores, esquemas fiscalizatórios e sancionatórios precisam responder de forma inteligente e dinâmica às diferentes motivações que levam os particulares a cumprir ou descumprir a regulação. Há violadores contumazes que fazem do ilícito uma estratégia de maximização de seus ganhos. Mas há também particulares movidos por um senso genuíno de responsabilidade cívica e social.
Daí a importância de que o regulador possa manejar um cardápio variado de respostas, tanto persuasivas como de comando e controle. Até porque estratégias regulatórias baseadas somente ou preponderantemente na punição tendem a reduzir o número de agentes dispostos a cooperar. De mais a mais, punir é caro, ao passo que persuadir, não (ou bem menos). Logo, a regulação ancorada apenas na punição desperdiça recursos em litígios que poderiam ser mais bem gastos com monitoramento e persuasão.
Em segundo lugar, a sanção também não figura, necessariamente, como a melhor solução para atender aos objetivos coletivos. Não há um interesse público abstrato que justifique a priori a sua aplicação. O que existe é o interesse público concreto de que os modelos regulatórios sejam adequados e efetivos. Isso não será alcançado pela aplicação irracional de punições, como multas estratosféricas e a adoção de outras medidas gravosas, a exemplo da cassação desproporcional de alvarás de funcionamento de empresas. Certa dose de criatividade – devidamente sujeita a controles pelas instituições competentes – pode levar a soluções mais eficientes. No Brasil, a conversão de multas em investimentos tem potencial para contribuir nesse sentido.
Em terceiro lugar, é preciso ter claro que agir de modo mais criativo não é sinônimo de violar deveres funcionais. Se a atividade punitiva da Administração pode ser tida vinculada, deve sê-lo sob a ótica de que não é dado ao administrador fechar os olhos diante do ilícito – o que seria crime. Mas isso é bem diferente de afirmar que a punição constitua uma resposta indispensável diante de todo e qualquer ilícito administrativo, excludente de qualquer margem de escolha pelo agente estatal. Há circunstâncias, por exemplo, em que uma solução consensual pode se revelar mais eficiente, por assegurar maior comprometimento do agente regulado em cumprir a regulação e reduzir custos públicos de fiscalização e punição. Com isso, não se quer defender a atuação meramente subjetiva do regulador na aplicação da lei, mas o exercício de uma discricionariedade sujeita a controles e orientada por parâmetros normativos. Daí a importância, aliás, de que medidas alternativas sejam previstas desde a concepção dos modelos regulatórios, a fim de proporcionar maior segurança jurídica.
Seja como for, o que não se pode é continuar repetindo o velho axioma de que punir mais é sinônimo de boa gestão. A sanção é sintoma, e não solução. Usualmente, é sinal de que o sistema jurídico não foi capaz de criar os incentivos corretos para a conformação da conduta dos particulares. Repensar a visão tradicional vem a calhar. Sobretudo quando se busca retomar o crescimento econômico no País.
Fonte: jota.info
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